PAULISTANA - O programa Globo Rural exibido na TV Globo na manhã deste domingo, 27, mostrou o drama das famílias residentes em comunidades rurais do município de Paulistana que ainda não tem energia elétrica. A reportagem de mais de 20 minutos mostrou, também, a realidade de outras comunidades onde a energia já chegou e a mudança proporcionada na qualidade de vida das famílias do campo.
Os agricultores do norte e nordeste do Brasil ainda são os que mais sofrem com a falta de luz na propriedade. Só no Piauí, 23 mil famílias ainda aguardam a instalação de postes, fios, transformadores. No município de Paulistana, a situação se agrava por causa da seca que já dura vários anos.
O caminho é de um só visual, com a caatinga esturricada e a vegetação sedenta. Seja na literatura, nas páginas de jornais e revistas ou até mesmo na televisão, o cenário da seca é sempre impactante. A paisagem cinza, quase sem cor e aparentemente sem vida, reflete as perdas na agricultura e na criação. A situação fica mais grave sem energia elétrica.
Paulistana é um município sofredor do estado Piauí. Os moradores sofrem com a seca e com a pobreza. A situação fica mais grave quando o trabalho depende do que brota do chão. Dos 5.561 municípios do Brasil, Paulistana ocupa a posição de número 5.413 no ranking de desenvolvimento. Na zona rural, a renda per capita da cidade não passa dos R$ 96 por mês.
Sem dinheiro para comprar ração e sem ter água para produzir alimento, o agricultor Augusto Lourenço prepara a foice para derrubar os ramos mais altos da caatinga e ajudar as ovelhas. “Não tem mais comida para dar e não alcança. O modo delas pegar a folha por cima. Elas pega assim a base de meio metro para baixo. De um metro para cima elas não pega mais. Eu tenho que ir com a foice ajudar a derrubar as folhinhas para elas ter um modo de sobreviver”, diz.
A sobrevivência poderia ser mais fácil se a energia elétrica fizesse parte do dia-a-dia do lugar. Essa é principal luta do presidente do Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável de Paulistana, Osvaldo Mamédio.
“Você que está de fora acha que a seca é o problema. Mas, o que falta na verdade é tecnologia. Não tem como chegar à tecnologia onde não tem energia. A tecnologia é usada para poder bombear essa água, para chegar até as propriedades, para chegar até as residências. Só para se ter ideia, uma forrageira elétrica para ajudar na trituração da ração dos animais custa R$ 1,2 mil. Uma forrageira a combustão à gasolina custa R$ 5 mil, a combustão à diesel sai R$ 10mil. Ainda tem um custo mais alto que é da manutenção. Não é luxo. É uma necessidade para que tenha uma vida com dignidade”, diz Mamédio.
A comunidade Umbuzeiro é a mais carente do município de Paulistana. O único poço que atende o povoado foi furado há 23 anos. A água sobe na força do braço. Cada pessoa chega do jeito que dá: montado no jegue, na carroça e caminhando. Pelo lugar não se mede esforço para buscar a água do poço que o agricultor Horácio de Souza ajudou a cavar. “Na hora que eu estava cavando a água começou a minar. Foi uma alegria”, lembra.
A situação se repete na comunidade Abelha Branca, onde a prefeitura chegou a furar dois poços artesianos no ano passado. Sem energia elétrica, na cidade também é preciso ter força no braço para tirar a água de uma profundidade de 60 metros.
Por causa da distância, tem agricultor que prefere levar os animais para beber água perto do poço. Esse é o caso do João José da Costa, que percorre a distância de dois quilômetros para chegar ao lugar. Na volta ao piquete, os animais recebem a silagem, preparada com antecedência, já como alternativa para enfrentar os períodos de seca.
Uma família que mora em uma casa sem energia elétrica tem no cotidiano utensílios que para muitas pessoas já viraram peças de museu. Para ter água fresca, por exemplo, o jeito é conservar o líquido em potes de barro. Há também um liquidificador manual. Para funcionar basta girar a manivela que o aparelho tritura tudo. O ferro de passar roupa só esquenta com a brasa que vem do fogão à lenha. É preciso colocar os paus no fogo para criar brasa para colocar no ferro. A agricultora Maria Cremilda de Carvalho faz todos os dias esse serviço, principalmente para passar as roupas que os filhos usam para ir à escola.
Na esperança de que essa situação um dia mude, o agricultor José Possídio da Silva já garantiu o ventilador para a hora que a energia chegar. “Cinco anos e nunca foi usado. A gente dorme naquele calor porque não tem como usar”, diz.
Chegada da energia elétrica transforma a vida dos sertanejos em Paulistana
Em vários lugares do Brasil, há agricultores que passaram quase uma vida inteira sem energia em casa. No município de Paulistana, no Piauí, algumas pessoas ainda continuam nessa situação. A luz faz diferença na vida do campo tanto de dia quanto de noite.
Na noite, o candeeiro é a iluminação que acompanha os agricultores Apolônio Abel de Alencar, de 75 anos, e Perpétua Francisca de Alencar, de 68 anos, até a hora de dormir. A cena se repete nas 745 famílias de Paulistana que não têm energia. A vida do casal sempre dependeu das lamparinas para romper a escuridão.
Mas a noite é bem mais agitada na casa que conta com energia elétrica, onde moram os agricultores João de Sousa e Osvaldiria Ana de Sousa; o filho do casal, Ariel João de Sousa, a esposa, Valdire Zilme Rodrigues Souza, e a pequena Thauany. “A energia foi ligada dia 17 de março de 2007. É tão importante que a gente nem esquece essa data”, diz Ariel Sousa.
Para quem criou os filhos na base da lamparina, Osvaldiria deseja que todo mundo tenha energia. “Ter essa luz, que é muito importante”, diz.
Desde quando o Programa Luz para Todos foi criado, há 13 anos, Paulistana sempre figurou entre os locais a serem beneficiados com energia elétrica. Em 2010, o município até chegou a ser declarado como 100% eletrificado. Mas, não estava. As constantes promessas de que a luz chegaria ao lugar geraram tamanha expectativa que os agricultores se anteciparam para correr atrás do que para eles seria um sonho.
Eles conseguiram R$ 94 mil para dar início a dois projetos na comunidade: um de plantio de palma irrigada, junto com um aprisco para transferência de tecnologia de caprinos e ovinos; e outro que equipou a cooperativa de mel com a centrífuga, o compressor e a máquina de embalar sachê. Os recursos vieram da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco – Codevasf, que liberou a verba mesmo sem a instalação da energia elétrica.
“Foi um prazer receber os equipamentos todos, mas é uma frustração a gente não poder usar. Nossa perspectiva, quando começamos a trabalhar em parceria com a Codevasf, é que iria abrir caminho para a chegada da energia por conta de ser uma instituição que vem recursos do Ministério da Integração Nacional, direto do governo federal. Mas, até o momento não chegou”, diz o presidente do Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável de Paulistana, Osvaldo Mamédio.
Em nota, a Codevasf se defende dizendo que os equipamentos para a manipulação do mel deveriam funcionar com energia solar. Mas, segundo os agricultores, as instalações da cooperativa só dão conta de acender as lâmpadas. Sobre a unidade de transferência de tecnologia, a companhia viabilizou uma forrageira à combustão. Só que os produtores afirmam que, diante dessa seca e sem a irrigação prometida, falta comida para fazer a máquina funcionar.
A apicultura é uma das principais atividades rurais de Paulistana. O município chegou a coletar 28,5 toneladas de mel no ano passado, mas a seca tem feito despencar a produção. O apicultor Osvaldo Antônio de Carvalho só atingiu metade do que esperava para 2016. “Todo mundo perdeu. As abelhas não se dão com muito calor”, diz.
A falta de chuva regular na região já se acumula pelo quarto ano seguido. O pé de umbu protege as caixas do apicultor. Até a árvore, um dos símbolos de resistência à seca, parece agonizar com a falta de água. As abelhas abandonaram 23 das 49 caixas. “Em uma das caixas, elas estão tão fracas que nem colou a cera. Todas com fome. Comeram o próprio mel que fizeram”, lamenta.
A mesma seca atinge a propriedade do agricultor Manoel Vila Nova, mas de uma maneira diferente. A luz que ilumina a noite e que dá conforto dentro de casa também transforma a dura realidade no campo. A energia que puxa a água do poço garante a sobrevivência da lavoura. “Vamos dizer que a manchinha verde é o socorro da seca. Essa palma mantém os meus bichos e o reforço pra renda familiar”, diz.
Fora a palma, a irrigação carregou o pé de manga, fez a cana produzir e garantiu a produção do capim elefante. Além de levar a água, a rede de energia também permite o uso da forrageira que tritura o alimento dos animais.
O plantio da palma irrigada veio da ideia do agrônomo Éder Jofry, formado no início de novembro. Ainda em 2015, ele iniciou o projeto como parte do trabalho de conclusão de curso. Jofry fez os cálculos e o investimento de R$ 4,5 mil usados na plantação era praticamente o que o agricultor gastava por ano para comprar a ração dos animais no período da seca.
“Eu fico muito satisfeito porque é minha região. Estou fazendo o que eu gosto. E o que dá prazer é ver o produtor satisfeito. A grande importância da palma é porque ela se torna uma reserva hídrica para os animais. Em torno de 85% a 90% da composição da palma é de água. Tendo água no corpo ele vai ter disposição, ele vai ter interesse de procurar outra forragem, seja um capim, seja uma vegetação nativa”, explica Jofry.
A palma também contém carboidrato, fibra e algumas vitaminas e minerais. Cada vez que a irrigação é ligada, o agricultor gasta em torno de 1,5 mil litros de água.
O Programa Luz para Todos beneficiou mais de 3,3 milhões famílias. Nos próximos dois anos, a promessa é iluminar mais 190 mil casas, principalmente nas regiões mais distantes da Amazônia e do Nordeste.
Com relação ao município de Paulistana, o Ministério de Minas e Energia afirmou que ainda irá lançar uma nova licitação para atender as pessoas que não têm luz.
Fonte: Globo Rural